Contabilidade criativa maquiando as demonstrações contábeis

Resumo

A contabilidade é, atualmente, um instrumento fundamental para auxiliar a administração moderna e tem como principal objetivo gerar informação para embasar as decisões a serem tomadas, bem como reduzir o seu grau de incerteza. Para isso, identifica, registra, mensura e possibilita a análise e predição dos eventos econômicos que alteram o patrimônio de uma empresa. Para a elaboração da informação contábil, existem normas a seguir que não podem deixar de incluir elementos de subjetividade e cuja aplicação requer, em muitos casos, a realização de estimações por parte da empresa, abrindo assim a possibilidade de uma mesma realidade ser refletida de formas diferentes. A isto deve ser acrescentada a própria flexibilidade presente nas normas contábeis, mais em alguns países que em outros, o que permite utilizar diversos critérios para contabilizar um mesmo fato econômico. Neste contexto, surge a denominada “contabilidade criativa”, que está inserida na intencionalidade das empresas em aproveitar a existência da subjetividade, das alternativas existentes e da vaga regulamentação de alguns aspectos contábeis com a finalidade de obter demonstrações financeiras que representem a imagem desejada.

Abstract

Now the accounting is a fundamental instrument to aid the modern administration and it has as main objective to generate information to base the decisions to be taken, as well as to reduce its uncertainty degree. For that, it identifies, registers, measures and facilitates the analysis and prediction of the economic events that alter the patrimony of a company. For the elaboration of the accounting information, norms exist to proceed that cannot stop including subjectivity elements and whose application requests, in many cases, the accomplishment of estimates on the part of the company, opening like this the possibility of a same reality to be reflected in different ways. To this it must be add the very flexibility present in the accounting norms, more in some countries that in other, what allows to use several approaches to count the same economic fact. In this context, it appears the so called “creative accounting”, that is inserted in the intentionality of the companies in taking advantage of the existence of the subjectivity of the existent alternatives and of the vacancy regulation of some accounting aspects with the purpose of obtaining financial demonstrations that represent the wanted image.

1 – Introdução

As práticas de contabilidade criativa constituem um dos temas mais polêmicos na atualidade. A expressão “contabilidade criativa” tem feito parte da linguagem contábil, causando um grande impacto nos âmbitos econômico, financeiro e gerencial. O fenômeno da contabilidade criativa tem sido o resultado da flexibilidade de certas normas contábeis, a qual facilita a manipulação, o engano e a tergiversação da informação.

Além disso, esse fenômeno envolve aspectos controversos relacionados com a ética, o conceito de imagem fiel, o paradigma da utilidade da informação e dos relatórios contábeis para os usuários e a fraude contábil, os quais ainda são difíceis de ser avaliados de forma efetiva no cotidiano empresarial.

Como essa problemática tem se agravado, em âmbito mundial, a solução seria uma maior atuação dos organismos reguladores no sentido de introduzirem modificações no campo da contabilidade, visando elaborarem normas com melhor conteúdo técnico, permitindo reduzir ao mínimo, o grau de subjetividade e flexibilidade dos gerentes na escolha dos critérios contábeis.

Neste sentido, aumentaria a responsabilidade dos auditores independentes diante de tais práticas, inibindo ou restringindo a existência de práticas de contabilidade criativa nas demonstrações contábeis das empresas.

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Partindo dessa premissa, este trabalho aborda e explica os aspectos que induzem à contabilidade criativa, transações mais comuns na contabilidade criativa, práticas usuais, os auditores ante a contabilidade criativa e casos relevantes da contabilidade criativa.

2 – Significado do termo contabilidade criativa

A contabilidade criativa é um tema atual na prática contábil. É utilizada para descobrir o processo mediante o qual os contadores utilizam seu conhecimento sobre as normas contábeis para manipular as cifras refletidas na contabilidade da empresa, sem deixar de cumprir os princípios de contabilidade. Desta maneira, conforme se apliquem os critérios e outros aspectos da contabilidade, os resultados podem variar e ser mais favoráveis para as organizações.

O termo contabilidade criativa é de origem anglo-saxônica – tanto em sua forma prática, quanto em sua estratégia – e já foi objeto de grandes debates e pesquisas no meio acadêmico, principalmente no Reino Unido.

Na verdade, a contabilidade criativa é uma maquiagem da realidade patrimonial de uma entidade, decorrente da manipulação dos dados contábeis de forma intencional, para se apresentar a imagem desejada pelos gestores da informação contábil.

O quadro 1 traz definições de alguns autores com várias interpretações

Quadro 1 – Conceituação de contabilidade criativa

De acordo com Salas (2004), no Reino Unido, quatro livros foram escritos e cada um, com suas diferentes perspectivas, tem identificado este tema. Estes livros são de autoria de Griffiths (1986), que escreveu sob a ótica de um periodista empresarial; Jameson (1988) escreveu desde a ótica contábil; Smith (1992) se baseou em sua experiência como analista de investimento; e Naser (1993) abordou a questão como acadêmico. Estes autores, conforme Salas (2004), têm dois elementos em comum em sua descrição: percebem a incidência da contabilidade criativa como algo generalizado e vêem a contabilidade criativa como uma prática enganosa e indesejável.

Enron e WorldCom, entre outros, são alguns casos de contabilidade criativa – descritos mais adiante – que têm aparecido nos últimos tempos e causado grande impacto na economia norte-americana, constituindo exemplos de como os mercados têm perdido a confiança nos “princípios de contabilidade geralmente aceitos”, nos auditores, assessores e analistas de investimento.

Esse fenômeno ainda se apresenta como um tema atual na prática contábil internacional, uma vez que tem ganhado importância na informação contábil-financeira que se divulga para os usuários e as comunidades empresariais.

3 – Razões para utilização da contabilidade criativa

São múltiplas as razões que potencializam as práticas de contabilidade criativa e, obviamente, pretender simplificar suas causas pode nos levar a uma perigosa transformação de seu conceito, uma vez que suas fronteiras não se apresentam claramente definidas, envolvendo aspectos como a ética, a fraude e a responsabilidade social. Portanto, atualmente, suas principais causas estão concentradas no impacto que podem ter os informes divulgados sobre as decisões dos investidores nas Bolsas de Valores.

Entre as razões que têm os diretores das empresas cujas ações estão cotadas nas bolsas, para manipularem as contas através da utilização da contabilidade criativa, destacam-se as seguintes:

  • Manutenção de um fluxo constante de receitas: as empresas gostam de demonstrar uma tendência estável de crescimento do faturamento e não de evidenciar oscilações bruscas, o que poderia ser interpretado como risco pelo mercado. Como forma de ilustração desse fato, cita-se o caso Daimler-Benz, o qual evidenciou o impacto da utilização das chamadas reservas ocultas permitidas pelas normas contábeis da Alemanha.
  • A contabilidade criativa também pode ser utilizada para manter em alta o preço das ações, por meio de mecanismos que reduzam aparentemente o endividamento ou aumentem as receitas e os resultados.
  • A contabilidade criativa pode ser utilizada também para atrasar a chegada de informações ao mercado financeiro, beneficiando alguns investidores que tenham acesso privilegiado a tais informações. Um exemplo configura-se nas remunerações em ações aos próprios diretores das empresas. Estes (diretores) podem atrasar as divulgações de resultados alcançados e outros dados financeiros para que possam operar nas bolsas em benefício próprio.
  • contabilidade criativa pode ser utilizada para mascarar o desempenho governamental. Neste caso, o governo pode fazer a sua divulgação em regime de caixa, dificultando a apuração de custos de programas e projetos. Além disso, a mudança da base de contabilização e as entidades que são inseridas na consolidação do setor governamental podem colaborar para formar uma melhor imagem dos índices dívida/PIB e déficit/PIB.

Para Carvalho (2003), outras razões para as manipulações de dados contábeis podem motivar as entidades ao uso do Window-dressing ou da contabilidade criativa: o uso dos contratos de gaveta e a manipulação de seus prazos de direitos e obrigações, bem como mudanças de indexadores (índices), de acordo com o objetivo almejado.

As razões para o aparecimento da contabilidade criativa nas demonstrações contábeis, segundo Cosenza (2003), estão apresentados no quadro 2.

Quadro 2 – Motivações para o aparecimento da contabilidade criativa nas demonstrações contábeis

Fonte: Cosenza (2003)

A contabilidade criativa pode ter vários motivos para que seja utilizada nas organizações, todavia, Mayoral (2000) classificou três distintos blocos de objetivos, que estão representados no quadro 3 com os seus devidos incentivos para adotá-las.

Quadro 3 – Objetivos para a utilização de contabilidade criativa

Fonte: Mayoral (2000)

Existem diversos motivos associados ao mercado de capitais que podem incentivar as empresas ou seus gestores a manipularem suas demonstrações contábeis, conforme Salas (2004): a contabilidade criativa permite refletir uma tendência estável de crescimento das receitas, ajuda a manter ou sobrevalorizar o preço das ações, retarda a chegada de boas ou más notícias ao mercado e oculta informações sobre o envolvimento ou comprometimento dos executivos.

4 – Transações mais comuns na contabilidade criativa

Os analistas e investigadores têm realizado uma recopilação das transações mais comuns que se podem encontrar nos livros das empresas manejados com os critérios da contabilidade criativa. Algumas destas transações, segundo Salas (2004), são:

  • Aumento ou redução de despesas –As normas contábeis facilitam manobras como, por exemplo, a elasticidade no prazo de amortizações do ativo intangível e nas depreciações de bens do imobilizado de uso. A empresa, alterando o prazo da depreciação, provoca, em conseqüência, alterações nas despesas do período.
  • Aumento ou redução das receitas – É possível antecipar ou diferir o reconhecimento de receitas com o argumento da convenção do conservadorismo e do princípio da confrontação das despesas com as receitas.
  • Aumento ou redução de ativos – As manipulações descritas no primeiro item impactam o valor dos ativos. Outro exemplo seria a alternância de métodos válidos para se avaliar os estoques.
  • Aumento ou redução do patrimônio líquido– Todos os exemplos anteriores têm reflexos no patrimônio líquido da empresa, afetando de forma direta os índices de endividamento, estrutura patrimonial e de lucratividade, podendo levar os usuários a decisões equivocadas, não apenas sobre o capital próprio, mas também em relação ao valor da empresa como um todo.
  • Aumento ou redução do passivo – As empresas podem valer-se de artifícios para, aparentemente, reduzir seu endividamento. Um exemplo corriqueiro no Brasil é a forma de contabilizar as operações de leasing financeiro, no qual, apesar de se tratar, essencialmente, de um financiamento, o bem não é ativado e nem a dívida é contabilizada. Isso pode levar o usuário a conclusões errôneas, principalmente o investidor, acerca da liquidez e do endividamento da empresa.
  • Reclassificação de ativos e passivos– Existem divergências de onde classificar os gastos com certos bens. Por exemplo: peças de reposição para o ativo imobilizado – imobilizado reserva -, podem ser classificadas no Imobilizado ou no Circulante ou, ainda, até diretamente como despesa do período, evitando-se a sua ativação. Nesses casos, recorre-se à convenção da materialidade.
  • Informação contida no relatório da administração ou no parecer dos auditores – A inclusão ou não de informações pode conduzir o usuário a conclusões equivocadas sobre o passado e as expectativas para o futuro do empreendimento. A figura 1 ilustra o impacto das transações e práticas da contabilidade criativa.

Figura 1 –Práticas contábeis criativas e seus efeitos

Fonte: Costa et al. (2000)

Perante o exposto, observa-se que os procedimentos da contabilidade criativa têm como resultado uma variação dos valores dos elementos patrimoniais e de resultado, além do próprio valor econômico da entidade como um todo. Conseqüentemente, estas variações acabam por influir de maneira relevante na interpretação da situação econômico-financeira da empresa, pois o usuário da informação disporá de dados não condizentes com a realidade.

5 – Práticas usuais da contabilidade criativa

A manipulação contábil tem vários objetivos distintos, dependendo dos “incentivos” externos e internos para empregá-la.

Foi realizado um estudo em 1997, pelo Prof. Dr. Juan Monterrey Mayoral, da Universidade de Extremadura, em Badajoz – Espanha, de acordo com Cordeiro (2003), onde foram destacadas algumas práticas criativas de contabilidade mais usualmente utilizadas, conforme demonstrado abaixo.

5.1 – Práticas baseadas em descumprimento de princípios/convenções contábeis

a) Descumprimento do princípio de custo histórico:

  • excesso/falta de valorização dos estoques;
  • excesso de ativação de encargos financeiros e diferenças cambiais;
  • excesso/falta de valorização do fundo empresarial.

b) descumprimento do princípio da prudência:

  • excesso/falta de contabilização de provisões para riscos e gastos com depreciações;
  • registro contábil de contingências positivas;
  • reavaliação voluntária de ativos;
  • excesso de capitalização de gastos com pesquisas e desenvolvimento.

c) Descumprimento do princípio/convenção da uniformidade:

  • mudanças contábeis voluntárias e injustificadas;
  • alteração artificial do “alcance” da consolidação;
  • eleição arbitrária de moeda funcional;
  • alteração arbitrária da política de amortização de imobilizados e de fundo empresarial;
  • alteração arbitrária da política de contabilização de resultados diferidos.

d) Omissão de informação obrigatória nas notas explicativas

5.2 – Práticas baseadas em contabilização errônea de operações:

  • registro contábil de gastos como imobilizados e vice-versa;
  • registro de gastos correntes como distribuídos em vários exercícios;
  • erros intencionais na data de “corte” das operações;
  • registro fictício de trabalhos realizados pela própria empresa em imobilizado;
  • reconhecimento de gastos contra reservas.

5.3 – Práticas baseadas em classificações errôneas de lançamentos contábeis:

  • apresentação em balanço de dívidas a curto prazo como sendo de longo prazo;
  • apresentação, como sendo não operacional, de gastos e perdas operacionais;
  • apresentação, como sendo operacionais, de gastos e perdas não operacionais.

5.4 – Práticas baseadas em operações vinculadas a operações comerciais e financeiras realizadas com entidades excluídas do “alcance” da consolidação:

  • “auto-transações” baseadas em negócios jurídicos com as próprias ações da companhia;
  • “auto-transações” baseadas em ampliar capital com crédito a “recursos próprios”;
  • “auto-transações” para iludir a intervenção da auditoria contábil em aplicações de capital;
  • emissão de ações preferenciais amortizáveis.

6 – O papel dos auditores ante a contabilidade criativa

Os conhecedores da atividade de auditoria entendem com facilidade o alcance da opinião do auditor; essas pessoas, normalmente, sabem como interpretar e tratar cada parágrafo do parecer do auditor.

Santos & Grateron (2003) dizem que é comum entre os usuários menos advertidos considerar, por exemplo, um parecer limpo ou sem ressalvas como uma garantia total de que todas as demonstrações contábeis que o acompanham são corretas e exatas.

Tanto para os usuários conhecedores dos aspectos técnicos como para os menos advertidos, o trabalho do auditor representa uma garantia adicional relativa e independente que lhes permite tomar decisões com maior confiança do que teriam sobre as demonstrações contábeis não auditadas.

A partir dessas considerações, é possível afirmar que o serviço de auditoria traz implícito o caráter social dessa atividade, ao se levar em conta a necessidade de responder às expectativas dos usuários da informação contábil e financeira, uma vez que se considera submeter mencionada informação ao conhecimento e à avaliação de terceiros.

Na medida em que o auditor avalia criticamente os sistemas de controles internos, incluindo nos seus programas procedimentos para detectar possíveis existências de fraudes que possam resultar relevantes, tornando-as evidentes, estará caminhando ao encontro de anseios dos usuários das informações contábeis.

De acordo com Cosenza (2003), os auditores não aceitam serem responsabilizados pelos fracassos empresariais e nem sequer concordam relacionar tais fatos com o processo de auditoria. Tampouco aceitam a responsabilidade pela emissão de informação “falsificada”, com a utilização da contabilidade dita criativa, o que pode ser considerado como uma conduta fraudulenta.

No entanto, alguns fracassos empresariais, acompanhados de certas irregularidades na apresentação da informação contábil e financeira das empresas, têm manchado a imagem de objetividade e independência do auditor, além de sensibilizar a opinião pública para esse fato, gerando sérias dúvidas sobre a capacidade profissional dos auditores e sobre a responsabilidade que se espera que estes assumam diante de seus atos e omissões.

Diante dessa situação, conforme Santos & Grateron (2003) o auditor deve incluir, em seu plano de trabalho, procedimentos específicos que visem identificar, ao menos, a existência das práticas de contabilidade criativa mais comuns, adaptando tais provas aos riscos inerentes de cada setor, empresa ou negócio. Na pressuposição de que o auditor agregue, em seus planos de auditoria, procedimentos que permitam identificar práticas criativas e que a administração se negue a corrigi-las, o auditor deverá incluir, em seu parecer, a respectiva ressalva ou parágrafos de ênfase que julgar necessários. Dependendo dos valores envolvidos, poder-se-á chegar até a negativa da opinião. Tal posição do auditor exporá a empresa e poderá fazer com que ela reveja sua posição em relação às práticas de manipulação da informação contábil.

Várias sugestões foram dadas por diferentes comissões de auditoria, principalmente no âmbito internacional. Uma delas é a implementação de Comitês de Auditoria e a participação de auditores, como conselheiros independentes, nos Conselhos de Administração, além de elaborar sofisticados códigos de comportamento ético e promover sua efetiva aplicação. Neste sentido, evidencia-se , uma vez mais, que o problema se encontra principalmente no desvirtuamento dos valores éticos e morais dos profissionais e também da sociedade na qual se desenvolvem. Para Santos & Grateron (2003), o problema a ser considerado é muito mais de caráter ético do que técnico.

7 – O uso da contabilidade criativa: casos relevantes

Uma série de denúncias contra as corporações americanas detonou uma grave crise de confiança nos mercados de capitais. Desde 1997, quase mil empresas já retificaram seus balanços. Essa generalizada maquiagem causou desconfiança em relação à veracidade dos lucros corporativos divulgados no final dos anos 90, base para a bolha especulativa, conforme mostra o quadro 4.

Quadro 4 – Corporações americanas com balanços sob suspeita

Fonte: Financial Times, republicado no Valor Econômico, São Paulo, 27 de junho de 2002, p. B3, apud Cintra (2002)

Os casos mais recentes de fraude contábil envolveram a WorldCom, segunda maior empresa de telefonia de longa distância nos EUA, que retificou seus balanços em US$ 4,2 bilhões, e a Xerox, maior fabricante de copiadoras do mundo, que vai republicar seus balanços de 1997 a 2001. O resultado deverá ser a diminuição de US$ 1,9 bilhão nas suas receitas do período. Parte dos problemas contábeis teve origem nas subsidiárias da América Latina , inclusive na do Brasil.

Ademais, explicitou-se um novo conflito de interesse entre as corporações e as empresas de auditoria e consultoria. Ficou comprovado que a WorldCom pagou US$ 12,4 milhões para a empresa Arthur Andersen relativos a serviços de consultoria e US$ 4,4 milhões pela auditoria feita em 2001, seguindo o mesmo padrão da Enron. Em 2000, a Arthur Andersen tinha recebido da Enron US$ 27 milhões por serviços de consultoria e US$ 25 milhões pelos de auditoria. Devido à destruição de documentos da empresa Enron, após o início das investigações, a Arthur Andersen ficou sob forte suspeita de ter fechado os olhos para as práticas contábeis pouco ortodoxas da Enron, a fim de manter importante fonte de renda por seus serviços de consultoria.

Conforme Cintra (2002), a agência de classificação de risco Standard & Poor’s elaborou uma lista das empresas que mais utilizaram a “contabilidade criativa”, isto é, lançaram mão de instrumentos legais para melhorar seus resultados, tais como: exclusão das opções de compra de ações como parte da remuneração dos executivos, inclusão nos lucros daqueles obtidos pelos fundos de pensão (que na verdade são de propriedade dos funcionários, e não do empregador) etc.

Abaixo se tem uma análise das sucessivas fraudes ocorridas nas empresas americanas, mais evidenciadas durante o primeiro semestre de 2002, de acordo com Cordeiro (2003).

Bristol-Meyers Squibb

Empresa: Bristol-Meyers Squibb
O que fez – Inflou receitas com vendas.

Como fez – Durante os anos de 2000 e 2001, a empresa farmacêutica “empurrou” seus produtos para os distribuidores, com uma campanha agressiva de descontos e incentivos que podem ter inflado a receita em até 1 bilhão de dólares. O resultado? Os clientes ficaram com estoques superdimensionados. O laboratório já informou que neste ano deve faturar apenas metade do total de 2001. A posição da Bristol-Meyers Squibb é de que não houve irregularidade contábil. A Securities Exchange Comission (SEC) ainda investiga o assunto.

ImClone Systems
Empresa: ImClone Systems
O que fez – Uso de informação privilegiada.

Como fez – As ações da ImClone andavam em alta, pois a empresa tinha em mãos um remédio revolucionário contra o câncer, o Erbitux, e para comercializá-lo faltava apenas a autorização da Food and Drug Administration, o órgão regulador de medicamentos nos Estados Unidos. Só que a autorização não saiu e um dia antes do anúncio oficial, familiares do executivo-chefe da ImClone e alguns de seus amigos próximos venderam papéis da empresa.

Merck
Empresa: Merck
O que fez – Manipulação de receitas e custos.

Como fez – A empresa inflou as receitas e os custos na mesma proporção. O resultado líquido não foi afetado, mas as vendas sim, o que induziu o investidor a acreditar no crescimento da companhia. A manobra contábil fez o faturamento crescer 12,6 bilhões de dólares indevidamente.

Xerox
Empresa: Xerox (3)
O que fez – Contratos de aluguel de equipamentos lançados como receitas de vendas.

Como fez – A empresa admitiu ter inflado as receitas em US$ 1,9 bilhão durante cinco anos, declarando erroneamente vendas de equipamentos e contratos de serviços. A Xerox declarou ter registrado US$ 6,4 bilhões como receitas de venda, sendo que US$ 5,1 bilhões desse montante foram na realidade recebidos por aluguel de equipamentos, serviços, terceirização de documentos e receitas financeiras. A manipulação da contabilidade ajudou a companhia a cumprir as previsões de lucros.

WorldCom
Empresa: WorldCom
O que fez – Ativação indevida de gastos.

Como fez – Manipulação extremamente simples de resultado. A empresa colocou no balanço 3,8 bilhões de dólares como investimentos, quando na verdade eram despesas. A compra de bens duráveis, que trarão retorno direto, pode ser depreciada no balanço em um período longo. Os gastos do dia-a-dia, por outro lado, devem ser reconhecidos como despesa imediatamente.

Enron
Empresa: Enron
O que fez – Desvios de dívidas para associadas e superestimação de lucros.

Como fez – Com participações em pequenas empresas que não constavam no balanço, a Enron escondeu bilhões em dívidas. No último balanço publicado, a empresa superestimou os lucros em quase 600 milhões de dólares e fez desaparecer dívidas de quase 650 milhões de dólares. A manipulação não parou por aí, pois além de esconder os passivos, a Enron também vendeu bens a essas empresas por preços supervalorizados, a fim de criar falsas receitas.

Tyco
Empresa: Tyco
O que fez – Sonegação fiscal

Como fez – Tudo começou com o indiciamento do ex-executivo-chefe Dennis Kozlowski por sonegação de mais de 1 milhão de dólares em impostos sobre a compra de obras de arte no valor de 13 milhões de dólares. Imediatamente depois, a receita federal americana passou a investigar se o conglomerado Tyco, que produz de equipamentos médicos a alarmes de incêndio, estava fazendo o mesmo. Durante os últimos cinco anos, a holding mudou várias de suas pequenas subsidiárias para paraísos fiscais, como Caribe, Bermudas, Barbados e Ilhas Cayman.

8 – Conclusão

A contabilidade criativa é de magnitude e complexidade crescentes. A sofisticação cada vez maior das estruturas financeiras das empresas e a competitividade do mundo dos negócios exercem uma importante pressão nos dirigentes das empresas, o que alimenta e favorece a distorção intencional da informação contábil contida nas demonstrações financeiras.
O estudo da contabilidade criativa é muito importante, pois as conseqüências da utilização de práticas desta natureza afetam diretamente todas as partes interessadas nas informações geradas pela contabilidade, podendo vir a trazer distorções significativas na interpretação dos dados pelos usuários.

Referências

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COSENZA, J. P. Contabilidade criativa: as duas faces de uma mesma moeda. Pensar Contábil. Revista do Conselho Regional de Contabilidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro – RJ, n. 20, p. 4-13, maio/jul. 2003.

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COSTA, F. M. PIGATTO, J. A. M. LISBOA, L. P. Contabilidade criativa. Trabalho apresentado no 1º Seminário de Contabilidade – EAC/FEA/USP. São Paulo: 01 e 02 de out. 2000. Disponível em: <www.eac.fea.usp.br/eac/seminario/arquivos/html/26.doc> Acesso em 24 de abril de 2004.

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Pereira Kraemer Maria Elisabeth. (2005, julio 6). Contabilidade criativa maquiando as demonstrações contábeis. Recuperado de https://www.gestiopolis.com/contabilidade-criativa-maquiando-as-demonstracoes-contabeis/
Pereira Kraemer Maria Elisabeth. "Contabilidade criativa maquiando as demonstrações contábeis". gestiopolis. 6 julio 2005. Web. <https://www.gestiopolis.com/contabilidade-criativa-maquiando-as-demonstracoes-contabeis/>.
Pereira Kraemer Maria Elisabeth. "Contabilidade criativa maquiando as demonstrações contábeis". gestiopolis. julio 6, 2005. Consultado el . https://www.gestiopolis.com/contabilidade-criativa-maquiando-as-demonstracoes-contabeis/.
Pereira Kraemer Maria Elisabeth. Contabilidade criativa maquiando as demonstrações contábeis [en línea]. <https://www.gestiopolis.com/contabilidade-criativa-maquiando-as-demonstracoes-contabeis/> [Citado el ].
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